Por Alcielle dos Santos*
Eu tinha 10 anos quando um menino da minha turma da 4ª série – hoje 5º ano – se pendurou em uma estrutura no teto, deu impulso e acertou um chute que felizmente não me machucou, mas que deixou minha saia plissada com a marca de seu pé. Como cheguei em casa com a marca da agressão na roupa, no dia seguinte, meu pai fez questão de ir à escola e conversar com a professora, exigindo a devida orientação e repreensão do estudante. O que não lembro de ter acontecido, foi uma conversa de mediação para esclarecer algo importante: por que ele me chutou? E ao fazer aquilo, se ele tinha pensado nas possíveis consequências. Certamente, todos nós temos algum episódio de violência na escola do qual lembramos, mas é preciso pensar sobre outra questão: esses episódios podem ter acontecido nas escolas, mas se estendem na sociedade como um todo: no trânsito, nos jogos de futebol, nas brincadeiras de rua das crianças, nas baladas com álcool dos adultos… A violência se expressa em todos os espaços em que há pessoas e fatores de tensão.
A violência é uma manifestação da raiva, do ódio, não controlados ou racionalizados. Sabendo disso, devemos entender a escola como um espaço privilegiado para aprendermos como não transformar os conflitos e os sentimentos que nos fazem reagir com brutalidade, em ações de violência concreta. Nesse sentido, me pergunto por que não perguntaram ao meu colega de classe, algo tão básico para orientações e até mesmo para repreensões: o porquê de seu ato.
Porém, retomando o entendimento de escola como espaço inserido na sociedade – o que foi trazido na abertura deste texto e também na coluna da semana passada, do Paulo Andrade – é fundamental considerarmos outros tipos de violência, como a doméstica, a violência estrutural dos espaços, a desigualdade e escassez de condições, e outras mazelas sociais que interferem nas salas de aula de todas as escolas brasileiras.
Assim, entendendo que a escola não conseguirá por si só encaminhar soluções para a violência, que é preciso ação conjunta de governos e equipamentos sociais, como conselhos tutelares e assistência social, o que cabe à escola em seu cotidiano? A resposta são os processos educativos de mediação de conflitos, o diálogo amplo com os estudantes sobre os seus sentimentos e como expressá-los e o devido encaminhamento dos casos que precisarem de apoio psicológico, psiquiátrico ou de assistência social. Para tanto, será igualmente necessária a formação dos professores para saber diferenciar comportamentos inadequados ao ambiente escolar (as incivilidades), de agressões, bullying ou episódios de violência. E neste último caso, tanto a violência sofrida que traz sinais no comportamento do aluno, como aquela que ele possa vir a praticar contra professores ou colegas. Desta forma, fica evidente que será preciso planejar, dialogar e incluir nas situações didáticas, discussões sobre sentimentos, emoções e sofrimentos, pois quando isso não acontece, abre-se espaço para que essas dores se intensifiquem e sejam expressadas de maneiras desastrosas.
Neste ponto, também é importante conversarmos sobre o medo da violência inusitada e cruel e não aquela dos conflitos que podem ser mediados pelos educadores. Nesse sentido, algumas medidas são necessárias, como a construção de espaços de diálogo social e institucionais e a disseminação de informações confiáveis para a restauração de um ambiente de confiança e paz nas escolas. A construção disso deve ser uma pauta permanente.
*Este artigo foi originalmente publicado no portal da Rádio Itatiaia, na coluna fixa de Alcielle dos Santos. Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores.