‘Trabalhar Projetos de Vida transformou a minha forma de dar aula’

por Renata Benedet, em série de relatos produzidos pelo Porvir em parceria com o iungo.

A primeira coisa a ser dita sobre o trabalho com Projetos de Vida é que ele transforma a vida dos adolescentes, mas também transforma a vida dos professores.

Eu dava aulas de geografia para turmas do sexto ano em Santo Amaro da Imperatriz (SC), quando, em 2017, fui convidada a trabalhar na Escola de Educação Básica Governador Ivo Silveira, na cidade de Palhoça (SC). Era um projeto de Ensino Médio Integral em Tempo Integral realizado numa parceria da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina com o Instituto Ayrton Senna. Como já conhecia a escola e achava que tinha perfil para trabalhar com adolescentes, topei o desafio.

Ao chegar na Ivo Silveira, encontrei uma equipe de 18 professores, alguns já da casa e outros novos, que também aceitaram o desafio. Começamos com sete turmas, e em 2018 ganhamos mais cinco. O trabalho com Projetos de Vida foi pensado para todo o ensino médio: no primeiro ano, o aluno aprendia sobre si mesmo, seus desejos e sonhos; no segundo ano, o foco era profissões; e no terceiro, mercado de trabalho. Como era um projeto piloto, aprendemos fazendo e junto com os estudantes. No começo, é preciso enfrentar o medo do novo e dar algumas cabeçadas. Mas as adversidades nos fortaleceram e ajudaram a iniciativa a dar certo.

Com o tempo e o aprendizado, tomamos algumas decisões que nos ajudaram muito. Uma delas foi eleger dois professores para atuarem como coordenadores: são eles quem leem as apostilas, fazem a organização e o planejamento da aula, sistematizam os Projetos de Vida e, ao final, costuram o trabalho pensando no que deu ou não deu certo e no “feedback” (retorno avaliativo) dos alunos. Portanto, na minha escola Projetos de Vida são um trabalho de equipe.

Outra decisão importante foi a de que os professores atuassem em pares. Formamos duplas reunindo características complementares, por exemplo: eu, que sou extrovertida, poderia trabalhar com a professora de matemática, que era introvertida. Ela lidava com o planejamento, porque se sentia mais confortável neste trabalho, e eu ia conversando e fazendo a ponte com os alunos. Acho essa ajuda mútua muito boa: com os Projetos de Vida, aprendi a trabalhar com as qualidades dos outros professores. Aprendi a trabalhar com o diverso.

Os alunos são convidados a escolher com qual professor gostariam de cursar as aulas de Projetos de Vida, ranqueando, de 1 a 10, os educadores com quem têm mais afinidade. Um ponto muito importante é que as turmas são menores (cerca de dez alunos) e multisseriadas. Isso é legal para que todos os estudantes se conheçam e também para o educador: eu posso ser professora de Projetos de Vida mesmo daqueles alunos para os quais não dou aula de geografia. O formato da sala muda: sempre trabalhamos em um círculo, favorecendo a troca interpessoal. É uma aula de conexão, de estar próximo, na qual todos têm espaço de fala.

Diferentes trabalhos com Projetos de Vida deram certo na nossa escola. Em um deles, por exemplo, estudantes do primeiro ano, que estavam fazendo Projetos de Vida pela primeira vez, puderam conversar sobre a experiência com alunos do segundo ano. Depois, os alunos do primeiro e do segundo anos falaram com alunos do terceiro. É uma atividade de troca, nas quais os estudantes fazem perguntas, falam sobre o que foi importante e se apropriam dos objetivos e intencionalidades do próprio componente.

É uma atividade de troca, nas quais os estudantes fazem perguntas, falam sobre o que foi importante e se apropriam dos objetivos e intencionalidades do próprio componente.

Também criamos os chamados “rolezinhos”, nos quais levamos os alunos para os mais diferentes lugares – uma praça, um museu, a sede do Projeto Tamar (que atua pela preservação das tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção), o shopping, o centro de Florianópolis. E por que levar os alunos para fora da escola? Para que possam aprender, conhecer, ter senso de responsabilidade. No espaço da escola, promovemos palestras sobre sexualidade, um tema importante na época da adolescência; recebemos a visita de Edsoul Amaral, jornalista local que falou sobre sua trajetória de superação; aprendemos sobre primeiros socorros e fizemos exercícios de evacuação com um bombeiro; e organizamos palestras sobre escolha profissional, principalmente para os terceiros anos, nas quais familiares, amigos e até ex-alunos puderam falar sobre suas carreiras.

Gostamos muito de organizar lanches comunitários, porque comida é algo que agrega, e também de promover gincanas. Um momento excepcional foi quando a gincana envolveu os professores: ou seja, os alunos trabalharam os Projetos de Vida com a gente. Eram eles que nos faziam perguntas para que falássemos sobre como éramos nos tempos de escola, como tínhamos nos desenvolvido, que travessuras tínhamos feito. Escolhemos fotos de quando éramos crianças e os alunos tinham de adivinhar quem era…O envolvimento era muito grande, já que estávamos aprendendo juntos.

Como professores, às vezes tendemos a negar a experiência dos alunos. Mas os Projetos de Vida nos fazem perceber que os jovens têm muita vivência. Eles são descolados e têm um olhar supercurioso, que pode ser muito maduro também.

Sempre fui muito expansiva e aberta, mas os Projetos de Vida me fizeram ressignificar o que é ser professora e transformaram a minha forma de dar aula. Na verdade, transformaram a minha vida, porque me levaram a trabalhar num novo modelo, no qual fazia sentido que o aluno se escutasse. Sabe quando tudo faz sentido na sua cabeça? Eu me imaginei na adolescência, naquele tempo em que a gente está se conhecendo, não sabe bem quem a gente é, não reconhece nossas qualidades. Os Projetos de Vida fazem com que o aluno, dentro da escola, pare e diga: “Está tudo bem. Sou normal. Estou evoluindo. Há muitas pessoas com os mesmos problemas e ansiedades que eu. Há muitas pessoas andando na mesma direção que eu.” Esta troca é muito enriquecedora. Consigo me ver aos quinze anos pensando: “Como seria legal se alguém parasse para me escutar.”

Neste momento de aulas remotas, não estou dando aulas de Projetos de Vida, mas sempre me coloco à disposição dos alunos, sempre pergunto como estão se sentindo. Em tempos de pandemia, esse tipo de trabalho sinaliza que o professor deve tentar estar aberto ao diálogo e se mostrar presente. Só o exercício de ouvir já é muito importante.

O aluno precisa que alguém o escute. Ele dá muito valor a isso, e os Projetos de Vida representam o momento de ele se abrir com os professores de quem gosta e nos quais confia. É claro que as reações são variadas: no início há uma resistência ao novo, e sempre haverá alunos que deixarão o terceiro ano dizendo não ter gostado do trabalho. Mas a grande maioria consegue se ver como uma caixinha cheia de possibilidades e com muitos desafios a superar. A grande maioria consegue colocar as emoções para fora, ver os erros, deixar de ser vítima do processo e começar a ter uma postura de procurar ser melhor. O componente Projetos de Vida vai apoiar o desenvolvimento integral do aluno: eles vão desenvolver dimensões corporais, intelectuais, físicas, emocionais, sociais, culturais. O adolescente vai procurar a escrever a história dele, tornar-se protagonista.

Os Projetos de Vida também permitem que os professores descubram as potencialidades dos estudantes. Temos alunos que são ótimos desenhistas, cantores, poetas, oradores – e ao conseguir ver suas qualidades, podemos ajudá-los a desenvolvê-las. Quando chega o Conselho de Classe, avaliamos de forma mais costurada. Não apenas vemos o aluno na sala de aula, mas também conhecemos sua história e enxergamos o que ele superou.

O bullying também tende a diminuir, porque os jovens ouvem as histórias uns dos outros e se sensibilizam.

Da mesma forma, o aluno valoriza mais o professor e passa a entender que ali tem uma história, uma luta. A relação é fantástica. Não temos casos de agressão a professores na minha escola, e notamos um carinho muito grande por parte dos alunos que se formaram. O bullying também tende a diminuir, porque os jovens ouvem as histórias uns dos outros e se sensibilizam.

É importante dizer que os Projetos de Vida não são aulas de terapia. A questão é despertar conexões. Não faço terapia, faço meus alunos se sentirem seguros e os desperto a estarem abertos aos desafios e a enfrentarem suas limitações – assim como eu. O professor precisa ter perfil para trabalhar com Projetos de Vida: precisa estar aberto ao novo, ter sagacidade e querer sempre melhorar.

Meu conselho para os educadores que trabalham com Projetos de Vida é: se permitam viver essa descoberta com os alunos. Estudem, corram atrás, desenvolvam algo que traga sentido. Esta criança teve uma história antes de chegar à sua frente, e é importante saber reconhecer e valorizar esta história. É importante fazer com que, a partir de agora, essa história catapulte o aluno para outros caminhos. A educação precisa de um olhar que reconhece a diversidade e os valores que todas as pessoas trazem consigo.

Cada escola vai achar a melhor forma de trabalhar dentro da sua própria realidade. Fazer, errar, aprender, tudo isso faz parte, porque Projetos de Vida são uma construção. Eles não estão prontos e acabados. O start é despertar – é provocar a fazer.

O que me parece fundamental é que toda a escola caminhe junto. Os Projetos de Vida têm de ter muitos professores envolvidos e têm de ter o apoio da direção, da coordenadoria, da equipe da limpeza, da equipe da merenda. É um projeto que tem de envolver o corpo da escola como um organismo ou uma máquina.

Quando você pega esse trabalho e a escola pega junto, nada te para.