Educação indígena com os indígenas

O que escolas indígenas e não indígenas têm em comum deve ser o respeito e a necessidade de se vivenciar com todos os meios possíveis, a riqueza de uma ancestralidade que é nossa, como população brasileira

por Alcielle dos Santos*

A forma como a educação é organizada precisa ser pensada com as pessoas de cada rede de ensino, de cada município, de cada comunidade, respeitando a sua cultura local e seus modos de vida. Logo, a Educação indígena precisa ser construída com os indígenas, ou seja, precisam ser eles a definirem suas necessidades e prioridades.

mulher indígena com cocar e pintura no rosto

Quando éramos crianças, nossos pais nos ensinaram muitas coisas: da mamadeira, passamos para o prato e colherinha de plástico, até meses ou anos depois, recebermos talheres de metal, um por vez. Ninguém usou a faca antes de desenvolver habilidade com a colherinha e essa memória é algo importante para pensarmos que isso não acontece apenas nas nossas casas e famílias. A sociedade também aprende devagar.

Primeiro, ficamos indignados, como sociedade brasileira, com o processo de colonização que escravizou os indígenas**; depois, decidimos homenageá-los com o “dia do índio”, em que pintávamos as crianças nas escolas e fazíamos cocares de cartolina. Mais tarde, conforme as professoras e professores passaram a estudar cultura indígena, organizamos visitas a aldeias com os estudantes e acessamos, por exemplo, literatura de autores de diferentes etnias. Dessa forma, começamos a perceber que não existia uma forma caricata única de indígena. Agora sabemos que existem diferentes modos de pintar o corpo e o rosto, de moradias, rituais, culinária, costumes, etc. Assim, as professoras e professores não indígenas passaram a estudar de fato a cultura indígena brasileira com seus estudantes, considerando a presença de populações indígenas em seus territórios. O ensinamento que deve ficar é que avançamos nas aprendizagens nas escolas, porém, podemos seguir evoluindo.

No Instituto iungo, quando pensamos, junto com as Secretarias de Educação dos estados da Amazônia Legal, o Itinerários Amazônicos, programa gratuito que promove a Amazônia em toda a sua complexidade ambiental, social, histórica, cultural e econômica nas escolas brasileiras, mais da metade dos profissionais da equipe eram pessoas do território, dentre elas, pessoas indígenas.

No material construído a muitas mãos e com o reconhecimento dos saberes tradicionais das pessoas da Amazônia, foi proposto, por exemplo, o estudo da origem e da história natural dos diferentes territórios que compõem a região amazônica. A primeira atividade desta parte do material propõe que professores e estudantes observem a diversidade biológica e social amazônica, a partir da tela criada por um artista indígena. Ou seja, o movimento de criar um material com educadores indígenas, que tenha espaço para trazer a produção artística e cultural de seus povos, é um caminho importante que estimula a reflexão dentro e fora da sala de aula.

Para além disso, os estudos sobre a comunidade, ou visitas pedagógicas a aldeias indígenas em territórios onde existam, é uma prática de grande valor que não precisa estar atrelada apenas às celebrações do mês de abril, mas que podem ser ocasião para conversar sobre e experimentar brincadeiras da cultura indígena com crianças, ou os jogos dos guerreiros e seus modos de vida com os adolescentes. Quando um educador propõe algo assim, seus estudantes ampliam seus conhecimentos e vivenciam na prática o respeito defendido pelas legislações de direitos humanos.

E as escolas indígenas? Aquelas existentes em territórios indígenas, ou seja, em aldeias? Estas precisam ter o projeto pedagógico e o currículo definidos pela comunidade indígena, com o apoio da Secretaria de Educação e da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). O que as crianças estudarão, a língua que o professor indígena utilizará em sala de aula, tudo isso precisa ser definido pela comunidade.

O que escolas indígenas e não indígenas têm em comum deve ser o respeito e a necessidade de se vivenciar com todos os meios possíveis, a riqueza de uma ancestralidade que é nossa, como população brasileira.

*Este artigo foi originalmente publicado no portal da Rádio Itatiaia, na coluna fixa de Alcielle dos Santos. Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores.

**Índio ou indígena: A Funai, fundada em 1967 com o nome de Fundação Nacional do Índio, teve seu nome alterado em 2023 para Fundação Nacional dos Povos Indígenas, atendendo a um pedido da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). A expressão “índio” já não é mais usada para definir uma pessoa de etnia indígena, pois essa palavra carrega preconceitos, além de omitir a diversidade dos povos. No mais, “índio” foi uma expressão empregada por Cristóvão Colombo quando chegou nas Américas, em 1492, pensando ser as índias e com isso, generalizou todo e qualquer população ali existente.