
“Contar histórias é uma forma de ação climática capaz de conectar gerações, construir pertencimento e restaurar confiança.”
Quinta Carta da Presidência da COP30 – Agosto/2025
Imagine um mundo em que as ideias e histórias que compartilhamos vão além de refletir o que vivemos. Em que, com criatividade, essas histórias e ideias têm o poder real de mudar a realidade. Esse é o contexto da professora paraense Merian Nascimento de Abreu. Para entender a potência de seu trabalho, vamos voltar primeiro à década de 1980. Neste período, a taxa de escolarização brasileira era de apenas 14,3% no Ensino Médio (hoje é 75%, segundo o Censo Escolar 2024). Não havia escolas e professores suficientes. Para completar a Educação Básica, Merian precisou sair da localidade em que nasceu e estudar em Belém. Quando retornou, Concórdia do Pará havia ganhado o status de município.
Isso significa que tudo na cidade estava começando, inclusive a rede de ensino e a trajetória de Merian na docência. Aos 17 anos, já como professora leiga, solicitou autorização judicial para se inscrever no 1º concurso de professores da cidade. Foi aprovada em segundo lugar: “Não me vejo fazendo outra coisa”, resume a educadora.
Desde então, essa “coisa” tornou-se uma mobilização que ultrapassou limites de escolas, municípios e estados. E que exemplifica como a docência é a profissão que transforma, conforme veremos a seguir.
A docência como projeto de vida
Com o apoio da família, de amigos e da participação no Projeto Gavião (iniciativa de formação de professores leigos criada no Pará nos anos 1980), Merian ingressou na faculdade e concluiu a graduação em Geografia. Não foi fácil, com dois filhos pequenos e muitas viagens, mas a convicção sobre o valor da educação é central em sua família — e a impulsionou durante todo o tempo. A mãe também era professora, hoje aposentada. E hoje um dos filhos é professor. A educação tornou-se seu projeto de vida e para a vida.
Atualmente, ela integra o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some). A estratégia foi criada na década de 1980 para garantir escolarização básica a comunidades longínquas, rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

Como professora nesse modelo, ela percorre longas distâncias, de estrada e rios, para chegar à sala de aula. É assim que ela alcança 20 comunidades e 2.350 estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
A educação ambiental como paixão
Merian vive a educação ambiental há décadas. Em Concórdia do Pará, a professora participou de atividades que viabilizaram a certificação internacional das escolas do município na Bandeira Verde. O selo reconhece a gestão ambiental de instituições de ensino em 101 países, por meio da Fundação de Educação Ambiental (FEE).
Já em Abaetetuba, ela se juntou aos professores Tatiana Monteiro, Edinaldo Silva e Roseildo Farias para desenvolver o projeto Diversidade do Mundo Amazônico (Dimuama). A iniciativa, realizada em localidades ribeirinhas, promoveu práticas pedagógicas conectadas à realidade dos estudantes. As atividades envolveram também as famílias dos alunos. Na conclusão do módulo, um grande evento mobilizou as comunidades em apresentações de música, danças e de projetos dos estudantes.

O trabalho de Merian deixou marcas profundas e duradouras. Grazielle de Assunção Azevedo, aluna da professora na Comunidade Ribeirinha Ilha do Capim entre 2013 e 2016, comprova: “A professora Merian marcou profundamente minha vida. Ela é daquelas educadoras que inspiram não apenas pela forma de ensinar os conteúdos, mas, sobretudo, pelo compromisso com a educação como um direito de todos, mobilizando estudantes, famílias e lideranças da comunidade. A inspiração que recebi dela e de outras mulheres que são base na minha caminhada foi uma das razões que me levaram a escolher o caminho da docência, sempre carregando comigo esse mesmo compromisso social”.

Grazielle seguiu os estudos e tornou-se a primeira mulher de sua comunidade a completar um mestrado. Hoje, também trabalha com educação ambiental, reencontrando o caminho da professora que tanto a inspirou.
“A diversidade do mundo amazônico deve nortear o processo educativo para que possamos
construir uma educação de qualidade que promova a cidadania e a autonomia dos povos do
campo.”
Trecho do artigo publicado pelas professoras Merian Nascimento de Abreu e Tatiana Monteiro Ribeiro na Revista Entre Saberes, do Centro de Formação dos Profissionais da Educação Paraense, em agosto de 2019.
Projetos intra e extraescolares: colaboração para ampliar o alcance
Sempre em colaboração com os gestores municipais da região, Merian participou de projetos que conjugam atividades intra e extra escolares. Exemplos são o plantio de 20 mil mudas e a formação de “agente mirins”, a fim de promover o engajamento de crianças e adolescentes na construção da sustentabilidade social, econômica e ambiental do território. Em 2024, atuou como secretária municipal de Meio Ambiente e participou da implementação de ações de reflorestamento e compromissos ambientais com cidades vizinhas, dentre outras medidas. O sucesso das propostas foi apresentado no III Congresso Nacional On-line de Conservação e Educação Ambiental, em agosto de 2023 — mesmo mês em que o programa Itinerários Amazônicos foi lançado oficialmente.
Geógrafa curiosa, como ela mesma se define, Merian relata uma dificuldade em todo esses anos trabalhando com a educação ambiental na Amazônia. E não, não são os deslocamentos, que podem levar até dois dias e vários tipos diferentes de transporte para chegar às comunidades ribeirinhas. Um dos maiores desafios era a busca por fontes confiáveis e contextualizadas. E ainda mais difícil era encontrar referências para articular áreas do conhecimento e questões como identidades amazônicas, mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável.
Itinerários Amazônicos, autoria docente e protagonismo estudantil

Foi aí que as formações e os materiais do Programa Itinerários Amazônicos, do qual a rede de ensino do Pará é parceira desde 2023, se tornaram essenciais.
Realização conjunta do Instituto iungo, da rede Uma Concertação pela Amazônia e do Instituto Reúna, o programa está presente em sete estados da Amazônia Legal. No Pará, o iungo também realiza, em conjunto com a Secretaria Estadual de Educação, a
implementação do componente curricular de Educação Ambiental, integrante da Política Estadual de Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima.
Merian conta que, ao participar dos percursos formativos, identificou uma oportunidade. “Acessei os materiais pedagógicos e percebi que finalmente havia encontrado uma referência bem organizada e com identidade amazônica. Temos carência de uma produção pedagógica que traga a valorização dos saberes locais de forma abrangente, que faça sentido para quem é daqui. E, ao mesmo tempo, sistematizada e inovadora. O programa facilitou muito o planejamento das aulas. Eu passava dias e dias pesquisando para conseguir realizar uma única atividade. Agora, recorrendo ao material, não preciso partir do zero. É uma verdadeira plataforma para impulsionar o trabalho docente”, explica a professora.

Ela destaca também o impacto que percebe nos estudantes desde que conheceu o programa. “A receptividade melhorou muito. Como as atividades são dinâmicas e voltadas para a Amazônia, seus saberes e culturas, eles se veem no material”, resume. O contato com o programa e a política estadual motivaram a educadora também a se inscrever na Pós-Graduação em Educação Ambiental realizada pela Seduc-PA, que vai concluir em 2026.
As aulas nas ilhas e as ilhas nas aulas da professora
A criatividade e o empenho de Merian casaram-se perfeitamente com as propostas do programa para promover o protagonismo dos estudantes. “As formações e materiais trazem caminhos passíveis de adaptação à nossa realidade. Quer um exemplo? No conteúdo de Educação Ambiental que trabalhei com o 7º Ano do Ensino Fundamental, a proposta foi que os alunos fizessem uma paródia da música ‘Destino Marajoara’, trazendo referências próprias. Assim nasceu a canção ‘Destino Abaetetuba’, que exalta os rios locais e motivou pesquisas sobre as regiões do estado”, ilustra a educadora, enfatizando o engajamento dos alunos e as avaliações de aprendizado como sinais de êxito. E há muitos outros exemplos como esse.

A Ilha do Capim mostrou-se um cenário propício para o planejamento que Merian desenvolveu ao lado dos professores de Sociologia, Vanessa Gambôa; de História, Armando Barra; e de Geografia, Luiz Alberto Monteiro. Antes dominada apenas pela pesca, coleta de açaí, carpintaria naval e artesanato, hoje a paisagem da ilha convive com grandes barcaças de grãos e minerais, poluição e efeitos das secas.
Enquanto os alunos do 7º Ano se engajaram nas propostas inspiradas por músicas, o 6º Ano partiu para a análise das transformações na paisagem de forma crítica e alinhada ao aprendizado em cada disciplina. Os estudantes trabalharam com as situações de aprendizagem “rio de palavras” e “árvore de ideias”, também presentes nos materiais. “Os trabalhos apresentados ao fim do módulo mostraram uma percepção mais aprofundada da relação entre identidades e território. E também a percepção da indissociabilidade entre seres humanos e o ambiente. As pesquisas e debates geraram tantas reflexões que a conclusão da turma foi: nossa mente é um rio”, celebra a educadora.

A turma do 8º Ano, por sua vez, trabalhou conceitos como pegada ecológica, consumo e obsolescência; e pesquisou sobre experiências locais e globais de minimização dos impactos humanos, além de realizar debates sobre a COP 30, que em novembro deste ano será realizada em Belém. “A chamada ‘praia do lixo’, apelido de uma região degradada da ilha, motivou trabalhos sobre as marcas que deixamos no planeta e o mundo que desejamos. O percurso sugerido pelo programa propiciou associar os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030 com elementos do cotidiano das crianças e adolescentes”, detalha.
COP 30 e saberes ancestrais do Pará
No caso do 9º ano, os alunos analisaram artigos científicos publicados por mestres e doutores amazônidas. Buscaram também documentários, imagens aéreas, obras de pintores e poetas da região. As lendas, como a narrativa da Matinta Perera; e os relatos dos moradores mais antigos da Ilha do Capim também foram fontes para um documentário produzido pelos estudantes do Ensino Médio, coordenado pelos professores Vanessa e Armando. Foi construída, também pelos alunos, a “problemateca”, ou seja, uma biblioteca de problemas ambientais e possíveis formas de enfrentamento. Paralelamente, os estudantes pesquisaram sobre outros saberes locais, como o transporte via canoas na baía do Capim, as características dos rios e igarapés afluentes e o uso das armadilhas de pesca de camarão de água doce chamadas matapis.


Renata Lazzarini Monaco, articuladora do iungo no estado do Pará, relaciona a confluência dessas atividades ao sentido do trabalho do Instituto. “As formações que propomos em parceria com as redes de ensino só fazem sentido quando dialogam com a realidade dos territórios. Quando fazem uma bonita tessitura entre os saberes e práticas dos professores e aquilo que está previsto para ser trabalhado nos percursos formativos. É com esse cuidado que o iungo apoia o desenvolvimento profissional de educadores. As oportunidades de aprimoramento e reflexão sobre as práticas permitem que os professores se fortaleçam como autores e criadores de propostas pedagógicas mais ousadas e inovadoras. Quanto mais fortalecidos os professores estiverem em relação ao ensino, melhor será o trabalho que desenvolvem e maior será o engajamento e a aprendizagem dos estudantes”, explica Renata.
Lea Camargo, formadora do iungo, salienta que a territorialidade e a educação integral andam juntas no programa Itinerários Amazônicos. “O compromisso com a educação integral e territorializada reforça a importância da autoria e da criação docente. É por meio desses processos que a territorialidade, articulada à educação integral, ganha sentido para os estudantes, que conseguem relacionar as aprendizagens com sua vida cotidiana, com os lugares e comunidades às quais pertencem, espaços onde constroem sua vida social, sempre em diálogo com questões globais”, complementa.

Trabalhos como esse, desenvolvido pela professora Merian no interior do Pará, demonstram também que o desenvolvimento profissional docente acontece no dia a dia e beneficia diretamente os alunos. “A apropriação dos materiais se torna fundamental. Abre espaço para que o professor pense sua prática a partir da realidade de sua escola e de cada turma, fortalecendo sua autoria docente. O material do programa é, ao mesmo tempo, formativo para o professor — e apoia processos que favorecem aprendizagens contextualizadas, contribuindo para que crianças e adolescentes construam sentido e protagonismo em suas experiências educativas”, afirma Lea.
Nesse sentido, vale destacar que Merian integra o Projeto Sementeiras, um coletivo de professores autores de educação ambiental criado no âmbito da parceria entre o Instituto iungo e a Seduc-PA. Por meio de uma jornada de acompanhamento formativo – multimodal e multiplataforma, os educadores receberam apoio e trocaram ideias sobre práticas desenvolvidas a partir do componente curricular de Educação Ambiental, sob a perspectiva do desenvolvimento integral dos estudantes. Os registros foram sistematizados em artigos que vão compor a edição da COP 30 da Revista Entre Saberes. A publicação é editada pelo Centro de Formação dos Profissionais da Educação Paraense (CEFOR/Seduc-PA).
Educação ambiental para catalisar a força da comunidade
Se você se encantou com o que trouxemos até aqui, está na hora de mais um capítulo. A participação da professora paraense no programa Itinerários Amazônicos fortaleceu a atuação de Merian para além do âmbito do Some. Ela, que sempre manteve vínculos com sua cidade natal, Concórdia do Pará, manifestou aos colegas da gestão municipal a satisfação com as formações e materiais. Assim, foi convidada a multiplicar o conhecimento entre os colegas da rede de ensino e, de lá para cá, a repercussão não parou de crescer.
O município confirmou a adesão à Política Estadual de Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima, adotando oficialmente o componente de Educação Ambiental no currículo escolar. Mauro Tavares, coordenador de Educação Ambiental da Seduc-PA, ressalta que as formações são peça fundamental dentro do eixo pedagógico da Política Estadual. “Quando produzimos os materiais, em colaboração com nossos parceiros e educadores, temos a preocupação de dar o suporte necessário para que os professores se apropriem e vejam as possibilidades que esses recursos podem trazer para a sala de aula e a comunidade escolar. A parceria com o Instituto iungo nessa construção, desde o início, continua na condução das ações de formação continuada. Isso potencializa a implementação, pelos professores da rede, de práticas que contemplam as diversas realidades do nosso estado”, aponta.
Concórdia do Pará realizou a Conferência Municipal Infantojuvenil de Meio Ambiente, enviou delegados para a edição estadual do evento, em junho de 2025; e esteve presente na Conferência Nacional, em Brasília, no mês de outubro.
O município de Abaetetuba também integrou a delegação paraense, com o projeto Experiências e Vivências de Educação Ambiental nas águas do rio Paramajó, apresentado pela estudante do Ensino Fundamental Graziela Santos Trindade, sob coordenação da professora Merian, em parceria com os professores Jefferson Correia de Lima e José Raul Louzada do Couto.
Engajamento de professores e estudantes ampliado com a educação ambiental

A professora Carmem Lúcia Guimarães Santiago, atual secretária de Educação de Concórdia do Pará, avalia que a adesão ao componente curricular ampliou o engajamento de professores e estudantes e fortaleceu parcerias. “Concórdia do Pará já tinha uma tradição de mobilização e trabalho conjunto entre os órgãos de educação e meio ambiente. Com as formações e os materiais pedagógicos do programa, a estruturação de projetos mais robustos nas escolas foi favorecida. Tanto que as propostas e delegados selecionados na etapa estadual da Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente foram indicados para representar o estado do Pará na fase nacional, entre 6 e 10 de outubro”, comemora a secretária.
Carmen destaca ainda que a colaboração da professora Merian reforçou a importância da identidade paraense, das populações quilombolas, ribeirinhas e indígenas nas atividades e discussões. “Essa mentalidade é essencial para os debates sobre educação e sustentabilidade, inclusive na COP 30”, completa.
Pensar global, agir local: sustentabilidade mão na massa com a professora Merian
E é essencial também para materializar a ideia de “pensar global, agir local”. Duas escolas de Abaetetuba e TODAS de Concórdia — 11 municipais, 3 estaduais e 1 particular — inscreveram projetos na Olimpíada Brasileira de Restauração de Ecossistemas, a Restaura Natureza. Ao todo, 1.435 escolas de todos os estados brasileiros enviaram suas iniciativas. Os resultados foram divulgados em agosto de 2025 e os municípios paraenses brilharam, alcançando o pódio e recebendo menção honrosa em diversas categorias. “O mais importante dessa iniciativa, para além da premiação em si, é reconhecer a educação ambiental que acontece dentro e fora da sala de aula; é chamar a atenção de toda a comunidade para esse compromisso”, celebra Merian.

As evidências científicas de que estamos nos aproximando rapidamente dos chamados pontos de inflexão (ou pontos de não retorno) no cenário ambiental e climático vêm se multiplicando. Por outro lado, a oportunidade de ver a educação ambiental pelo brilho dos olhos de Merian lembra que temos pontos de esperança. E que ainda é possível construir um mundo em que o conhecimento e a criatividade impulsionam formas coletivas de agir para transformar.
Histórias como essa, quando contadas, alentam diálogos para uma escola que é também espaço de memórias, modos de vida e preservação de saberes. Ou seja, nesse cotidiano cheio de informações, um espaço em que se aprende a construir uma leitura de mundo.
Mês dos professores 2025 | Profissão que transforma
Com os professores, os estudantes do Brasil podem mais. E quem valoriza os professores brasileiros, transforma o país junto com eles. Saiba mais sobre a campanha: professoreresquetransformam.org.br
O programa Itinerários Amazônicos promove a Amazônia e a educação climática e ambiental nas escolas brasileiras, por meio de recursos pedagógicos para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio — produzidos em colaboração com jovens, educadores e redes de ensino da Amazônia Legal. Oferece formação continuada às secretarias estaduais de educação parceiras e aos professores das redes de ensino. A iniciativa é uma realização conjunta do Instituto iungo, do Instituto Reúna e da rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria e com investimentos do BNDES, B3 Social, Fundo de Sustentabilidade Hydro, Itaú Social, Instituto Arapyaú, Movimento Bem Maior, Porticus e patrocínio da Vale. A Secretaria de Estado de Educação do Pará é parceira do iungo na realização do componente curricular “Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima.
