Lembro com sorriso no rosto, de um momento doce que vivi em uma sala de aula do 6º ano. Eu, professora de Informática de 20 anos, iniciava uma aula, quando uma aluna se aproximou, arrastando sua cadeira de rodinhas da sala do laboratório, e alisou minha perna. Eu, surpresa, tive a resposta antes mesmo de perguntar: “professora, sua perna é tão lisinha que precisava saber se estava usando meia calça”.
Depois do riso inevitável e de explicar que tocar o corpo do outro daquela forma não era adequado, algo naquela cena nunca saiu da minha cabeça: crianças são curiosas, experimentam mais, se lançam no mundo com perguntas ousadas, olhares e outros sentidos investigativos.
Quando pequenos, na Educação Infantil, adoram fazer misturas, observar transformações, como a de um gelo derretendo, ou sentir uma massinha entre os dedos. Crescem mais um pouco e seguem encantadas ao descobrir como o dia e a noite acontecem, como é formado o céu e o espaço sideral. Suas brincadeiras e imaginação compreendem dinossauros, esqueletos, viagens interestelares e engenhocas com legos ou potinhos da cozinha empilhados; adoram pintar, furar, amarrar barbantes – inventar!
Porém, quando entram na adolescência, continuam a descobrir sobre os fenômenos da natureza, as descobertas de grandes cientistas e o funcionamento de máquinas perde um bocado das cores e sabores da infância. Por quê? Porque, na maioria das vezes, elas deixam de ser experiências curiosas que podem fazer e passam a ser equações e conteúdos copiados do quadro. Ou seja, de experiências se transformam em tarefa para casa.
Houve um tempo em que se tentou resolver o problema investindo em laboratórios de Ciências nas escolas, inclusive nas redes públicas de ensino. No entanto, sem todos os materiais necessários acessíveis e sem formação para que professores usassem esses laboratórios de forma efetiva e não apenas para demonstrar experimentos para seus alunos olharem e seguirem com equações em sala de aula, o problema de falta de atratividade para as futuras carreiras da ciência continuou.
Outra questão importante é o fato de que temos um número bem menor de mulheres em carreiras ligadas a Ciências e Matemática no Ensino Superior do que homens. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), as mulheres representam atualmente apenas 30% dos pesquisadores no mundo. Estudos brasileiros revelam o mesmo cenário no nosso país. E quando analisamos essas questões considerando a questão racial, os números são ainda mais preocupantes.
Estimativas indicam que apenas 10,4% das mulheres negras têm acesso ao ensino superior e menos de 3%, à atividade de ensino e pesquisa nas universidades brasileiras*. O Woman20, grupo de engajamento de mulheres do G20, apresentou 26 recomendações em seu “Communiqué”, documento que sintetiza os consensos alcançados pelas participantes ao longo de 2024. Entre as propostas, destacam-se iniciativas voltadas para a redução das desigualdades de gênero nos campos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática.
Há ainda uma questão inicial: o que é Ciência? A Ciência não é apenas uma disciplina do Ensino Fundamental. Ela é muito mais do que isso. Todas as crianças podem crescer e se tornar cientistas, desde que aprendam a observar, investigar, experimentar, desde a escola até a universidade. Esse processo pode ser encantador, se compreenderem que podem fazer ciência e transformar a sociedade, ajudando a resolver problemas concretos do dia a dia.
Um exemplo disso que ganhou o mundo, foi o jovem Boyan Slat que criou uma metodologia para recolher lixo plástico dos oceanos e que, segundo a The Ocean Cleanup, ONG fundada por ele, 20 milhões de quilos de resíduos já foram removidos.
Outra iniciativa é do jovem de Iheb Triki, da Tunísia, que desenvolveu uma startup com um colega de universidade, para extrair água, por meio de um sistema de energia solar. O protótipo Kumulus, segundo Iheb, é uma forma de proporcionar acesso à água potável no Norte de África e ajudar no combate às alterações climáticas diante da escassez dos recursos hídricos.
No Brasil, temos apoiado o desenvolvimento do prazer pela investigação do lugar onde vivem, de entrevistar pessoas, de unir a teoria e descobertas feitas fora da sala de aula em práticas sugeridas pelo programa Itinerários Amazônicos. Na Escola Estadual Mário Barbosa, no bairro Terra Firme, em Belém, professores e alunos criaram um biodigestor e esta prática pode ser tema de material didático para outros estudantes, incentivando que a ciência ganhe cada vez mais espaço no dia a dia das escolas da Amazônia e de todo o país.
Atualmente, faço parte da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) que é composta por mais de 3.000 pesquisadoras de diferentes áreas de atuação, como jornalistas, educadoras como eu, médicas, advogadas, comunicadoras, biólogas. O que faz de nós cientistas, além da nossa trajetória acadêmica como mestres e doutoras, é a mesma curiosidade da minha aluna do 6º ano e a vontade de mudar o mundo do holandês Boyan Slat e do tunisiano Triki. Acreditamos que Ciência é vida e que tudo que estudamos contribui para uma vida melhor para todas as pessoas, desde que cuidemos dos processos de produção do conhecimento e tenhamos como foco, a melhoria da qualidade de vida nos lugares onde vivem.
Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, organização sem fins lucrativos que tem o propósito de transformar, com os professores, a educação no Brasil. É doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores. O artigo está na coluna de educação do Portal Itatiaia.