Com a palavra: a professora!

Claudia Sosinho, professora no Colégio Estadual Chico Anysio e na Escola Técnica Estadual Ferreira Viana, no Rio de Janeiro, conta como foi participar da criação do Nosso Ensino Médio

Conversamos com a professora Claudia Sosinho sobre o programa de formação Nosso Ensino Médio, que está disponível gratuitamente para educadores, com foco nas transformações da etapa. Claudia já trabalha há alguns anos com projetos de vida e foco no desenvolvimento integral dos estudantes, na rede estadual do Rio de Janeiro.

iungo: Como foi participar da construção do programa?

Claudia: Eu me senti muito honrada e valorizada em ter sido convidada a participar da construção desse programa. Como professora, estava fazendo parte já no início da concepção de um processo de formação. Porque a formação é para a gente, professor, e para os gestores de escolas e de secretarias. Essa preocupação foi o pontapé inicial para elaborar uma formação adequada para o professor.

E eu me lembro de fazermos as perguntas: “Vocês já perguntaram ao professor se ele quer isso? O que o Novo Ensino Médio propõe? Faz sentido para o professor?“ Então, a gente apresenta a formação explicando que a mudança vai trazer mais sentido e mais significado para a escola, porque trabalha o estudante de forma integral, dando valor aos seus projetos de vida. No caso da formação, dos projetos de vida também do professor. Então, eu achei um “gol de letra” chamar professores para fazer parte desse processo.

iungo: O que você vê como mais importante na formação?

Claudia: O primeiro ponto que quero destacar é que esse é um programa longo. Não é só um dia de formação no início do ano, um encontro aqui e outro acolá. Isso não seria suficiente para a dimensão do desafio que temos no Ensino Médio. O Nosso Ensino Médio é um percurso continuado, para nos formar coletivamente, vivendo um conjunto de situações importantes para nós, professores e gestores de escolas de Ensino Médio. Também gosto muito da forma como foi pensado o programa: ele possibilita que cada rede de ensino ou escola possa escolher os percursos que os educadores vão vivenciar.

A ideia não é padronizar a formação de professores e gestores, ao contrário, apresentamos muitas possibilidades, que estão sendo customizadas pelas secretarias de educação e escolas. A gente escolhe muito do que quer aprender. Ao longo do percurso, nós, educadores, passamos por uma formação geral básica, pelos itinerários formativos de aprofundamento, pelas eletivas (que cada um pode escolher quais cursar) e por um componente muito especial, chamado Educadores e seus projetos de vida. Professor precisa ser estimulado a enxergar seu potencial e os gestores também, de uma forma prática, em diálogo com o formador.

Importante dizer, ainda, que as pautas formativas foram pensadas de uma forma bem concreta, trabalhando a realidade das escolas, as necessidades de professores e de jovens. Partimos de experiências reais. Quando se mostra exemplos que tiveram êxito em contextos variados, é muito bom: quando eu vejo que funciona mudar a forma de trabalhar e olhar para aluno de forma integral. Por exemplo, na escola técnica em que dou aula, convidamos alunos para participar do conselho de classe, contando que o formato da aula colaborativa mudou o modo como eles se integravam na turma, e o jeito de aprender. O professor que escuta isso entende que pode acontecer, e fica encorajado a transformar suas práticas. E é com essa experiência real que foi pensado esse programa, o Nosso Ensino Médio.

Também acho importante a linguagem simples e objetiva, com exemplos de “mão na massa” e de como preparar aulas: o professor pode até entender o conceito de competência, mas se pergunta: “Como trabalhar competências? Como é que eu faço isso na minha aula de física, se eu nunca fiz isso?” Eu nunca fiz uma aula de história, levando em conta o trabalho por competências… O programa veio para que o professor já consiga trabalhar na sala de aula. E como você traz bons exemplos, traz boas práticas, é muito mais fácil.

iungo: A formação foi construída para acontecer na modalidade híbrida, ou seja, professores e gestores vão vivenciar atividades remotas e presenciais. O que você pensa sobre isso? Que desafios temos pela frente?

Claudia: Eu vou dar exemplo de uma formação em que trabalhei como formadora, a convite de outra instituição, junto a gestores do Rio de Janeiro e de Goiás, a distância. Eles faziam a formação por uma plataforma, em que a gente respondia como tutor, mas havia encontros ao vivo ao final de cada módulo. Eu percebia que esses encontros fortaleciam o estudo na plataforma: eles começaram a dar um gás depois daquele contato, porque conseguiam falar, trocar, tirar dúvidas. A partir do primeiro encontro, eu percebi os gestores interagindo mais comigo, perguntando mais coisas, estudando melhor. Então, eu acho que as interações são fundamentais. Porque a gente já está tão lotado de trabalho que a formação não pode ser mais uma coisa imposta e sem sentido.

Vou dar o exemplo da minha própria formação: hoje, eu vejo sentido no Novo Ensino Médio, eu vejo sentido na base [BNCC], eu vejo sentido nas competências, na educação integral… Mas por quê? Porque eu tive uma experiência real de formação, um contato. No início dessa experiência, eu estava totalmente desconfiada: “Que é isso que alguém quer me ensinar a fazer? Como se eu não soubesse trabalhar depois de mais de 20 anos de sala de aula? Vai mudar minhas aulas em quê?”

Eu era muito fechada. Eu sempre fui uma professora muito incomodada, sempre busquei novas experiências, mas estava acostumada a trabalhar isolada, como a maior parte dos professores. Quando veio alguém sugerindo repensar muitos dos caminhos que eu vinha trilhando, fazer orientações por planos de aula, eu fiquei desconfiada, mas depois eu vi que era o que eu precisava: um apoio, um suporte de alguém que já tinha vivido uma experiência, me ensinar e me mostrar outras possibilidades.

Então, eu imagino essa formação com interação. Isso faz diferença, mesmo em um ensino à distância. Como professora, eu valorizo o contato real – do abraço, do olhar – mas acho que temos que aprender e entender que estudar online é também uma boa forma de se qualificar. E o uso de tecnologias viabiliza que a formação chegue em todos os professores que precisam desse apoio para as transformações que o Ensino Médio está vivendo.

E mesmo virtualmente, acho que no começo você tem que conversar, tem que quebrar uma barreira com o professor, mostrar que é uma formação bacana. No início do processo, tem que ter alguém para interagir, para dar suporte, para ensinar a trabalhar dessa forma e para motivar. Porque é preciso ter disciplina, é difícil. A vida engole a gente, e sem estímulo a coisa vai perdendo força. Ainda mais em uma formação que apoia para uma mudança, para o Novo Ensino Médio. Mudar é muito difícil, estar preparado para entender que tem que trabalhar em outro formato. O segredo é enxergar os colegas da própria escola como seus pares, se formar em colaboração com os demais professores e a equipe gestora.

iungo: E o que você acha do programa ter uma formação para gestores escolares (diretores, coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais…)?

Claudia: Gestor é a liderança na escola, é o maestro da escola que tem que motivar todo mundo a refletir, dialogar, colaborar, transformar. E ele tem que se qualificar também para se sentir fortificado para promover mudanças nas escolas. Aprender ferramentas de gestão, como trabalhar… Eles também precisam ver sentido naquela formação, ouvindo experiências que funcionam na realidade deles. Eles também precisam ser apoiados e ter esse suporte.

iungo: Você está otimista que caminhamos para uma escola melhor?

Claudia: O que vai transformar qualquer coisa nesse mundo? É gente! Mas, para isso, temos que primeiro acreditar. Se você está na gestão de uma escola sem acreditar no seu potencial, na sua liderança, e que você seja capaz de transformar aquele espaço, nada acontece. Então, primeiro a gente tem que acreditar. O professor e o gestor precisam ser estimulados a confiar no seus potenciais, e ter ferramentas para serem agentes de mudança. E quem ajuda a fazer acreditar? Quem já viveu e passou por isso. Eu já passei por isso e acredito. Quem já viveu esse momento, como eu e outros professores, temos que colocar pilha para a mudança. E para isso ganhar escala, as lideranças na secretaria de educação também têm que acreditar.

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