Existe vida fora da Terra?

Professora Cláudia tinha acabado de começar em uma escola com uma proposta inovadora: também se preocupava em formar os estudantes para a vida real

por Paulo Emílio de Castro Andrade*

Conheci a professora Cláudia em dezembro de 2012. Ela tinha acabado de começar em uma escola, com uma proposta inovadora: os alunos e seus projetos de vida eram centrais para o aprendizado. Era uma escola que se propunha a ensinar não apenas para o ENEM ou os vestibulares, mas também se preocupava em formar os estudantes para a vida real. Além das aulas tradicionais (Português, Matemática, História, Sociologia, Arte, Biologia, Física etc.), os alunos aprendiam a realizar pesquisas, desenvolviam projetos para melhorar suas comunidades e tinham aulas de “Projetos de Vida”. Era uma escola de referência, com um currículo inovador construído em parceria pela secretaria de educação e por uma ONG.

Lembro-me dos olhos interessados e assustados de Cláudia naqueles dias de trabalho conjunto. Professora há mais de 20 anos, Cláudia era, segundo ela mesma declarava, uma boa professora “conteudista” de Física. Tinha conhecimento consistente e muita experiência em sala de aula. Quero, aqui, contar sobre um projeto que ela desenvolveu nesta nova escola, com os alunos do 1° ano do Ensino Médio, chamado “Existe vida fora da Terra?”.

Logo na primeira aula, fiquei surpreso. Em nenhum momento a professora apresentou qualquer conceito, ideia, conteúdo para os alunos aprenderem. Foram 100 minutos de perguntas. Sim, ela apenas perguntava. Fazia com que os jovens se lembrassem do que já sabiam e buscassem se aprofundar. A participação dos estudantes foi intensa. Não percebi desatenção ou desinteresse por parte deles.

É provável que isso tenha ocorrido por algumas razões. Primeiramente, pelo nome do projeto. Nós, humanos, temos curiosidade pelo tema da vida fora da Terra. Outro motivo foi começar o encontro com perguntas relacionadas ao que os filmes de ficção contam sobre outros planetas, idas ao espaço, vida extraterrestre. O estímulo a fazer os jovens responderem, conversarem e levantarem mais dúvidas (ao invés de pedir que ficassem em silêncio para ouvir, típico das aulas tradicionais) também me pareceu relevante. A organização da sala também foi importante. Os alunos trabalhavam ora individualmente, ora em duplas, trios ou quartetos, ajudando-se na busca por responder as questões, e, assim, aprender. O simples jogo de perguntas e respostas também mobilizou a atenção e a participação dos alunos.

Nos últimos 10 minutos da aula, a professora fez um resumo dos principais pontos tratados e indicou que, no projeto, iriam investigar em busca de respostas à questão central, de várias formas: leriam artigos científicos, reportagens e outros materiais de referência; fariam experimentos; entrevistariam cientistas de universidades etc. Informou que, no encontro seguinte, dois dias depois, seria apresentada a proposta de percurso de pesquisa, delineada em parceria com o outro professor, seu colega na orientação dos alunos no projeto.

Ao final da aula, a professora olhou para mim e disse: “estou me sentindo renovada”. Mas que renovação é essa? Uma renovação do olhar sobre os estudantes: ela acredita que todos podem aprender. Renovação sobre como ensinar: ela sabe que a aula expositiva, aquela em que o professor fala e os alunos escutam e anotam, não é o único modo de ensinar. Por fim, renovação de sua identidade como professora: depois de mais de 20 anos em sala de aula, Cláudia conta que passou a se perceber como uma verdadeira educadora, focada não mais em “passar um conteúdo”, mas em promover uma educação integral junto a cada jovem.

*Este artigo foi originalmente publicado no portal da Rádio Itatiaia, na coluna fixa de Paulo Emílio de Castro Andrade. Paulo é presidente do Instituto iungo, professor da PUC Minas e pesquisador do Núcleo de Novas Arquiteturas Pedagógicas da USP.