por Jairo César Alves, em série de relatos produzidos pelo Porvir em parceria com o iungo.
Em 2014, passei a lecionar filosofia e sociologia na Escola Estadual Professora Maria Ribeiro Guimarães Bueno, em São Paulo (SP), que funciona em tempo integral e tem Projetos de Vida como um dos componentes curriculares. Vinha da escola regular e não conhecia esta disciplina, mas a proposta me pareceu interessante. Topei participar, fiz um curso oferecido pela Secretaria da Educação e desde então tenho desenvolvido este trabalho.
Os Projetos de Vida são como a espinha dorsal da escola em tempo integral: tudo tem de ser voltado ao projeto de vida do aluno – tanto a Base Nacional Comum Curricular quanto as ações de tutoria e as disciplinas eletivas. Na minha escola, as aulas de Projetos de Vida começam na sexta série do ensino fundamental e vão até o terceiro ano do ensino médio. É um trabalho a longo prazo, no qual o aluno aos poucos vai tomando conhecimento de si mesmo e delineando seus objetivos profissionais e acadêmicos.
Dou aulas de Projetos de Vida para cinco turmas, abrangendo todos os anos do ensino médio. Começamos com foco no autoconhecimento, buscando ajudar o aluno a entender quem ele é, quais seus pontos fracos e fortes e como pode superar obstáculos. No segundo ano, há um aspecto mais social, de conhecer e se relacionar com o outro. No terceiro ano, concentra-se no profissional e na importância da atuação em equipe. Todo esse trabalho é realizado de forma muito dinâmica, fugindo do modelo de aula expositiva.
Além das aulas, na minha escola o trabalho com Projetos de Vida envolve tutoria. Esta atividade também vai do sexto ao terceiro ano, e desde o início parte de uma gestão democrática: os próprios alunos indicam três professores com os quais gostariam de desenvolver este trabalho. Cada professor é tutor de 20 estudantes, que podem se renovar a cada ano. Nos reunimos uma ou duas vezes por mês, após o período de aulas, durante 15 minutos. Estas reuniões são sempre apenas entre o aluno e o professor, e ninguém mais fica na sala. Insistimos muito em que este trabalho seja individualizado, um momento reservado apenas àquele estudante.
Trabalhamos questões relativas a três áreas: acadêmica, profissional e pessoal. A acadêmica se refere ao desempenho escolar, então as orientações são no sentido de tirar dúvidas e melhorar as notas, por exemplo. A profissional promove questionamentos sobre o que acontecerá depois da escola, e busca ajudar o aluno a pensar sobre suas opções em relação à faculdade e à profissão. A pessoal trabalha questões do contexto do aluno, que pode envolver, por exemplo, problemas familiares ou de estrutura em casa. Em geral, é o professor quem escolhe, no início da conversa, qual dessas áreas será trabalhada. Mas o estudante também tem liberdade para propor, e é muito comum que a conversa comece por questões acadêmicas e profissionais, mas acabe levando a questões pessoais. Por exemplo, posso iniciar um encontro perguntando ao aluno por que suas notas caíram, e ele pode responder que não gosta da matéria ou tem problemas de leitura. Conforme conversamos, às vezes chegamos ao seu contexto familiar e às dificuldades de estudar e se concentrar em casa, onde muitas pessoas dividem o mesmo cômodo.
Como tutores, buscamos dar as orientações sempre de acordo com os Projetos de Vida dos alunos. Estas orientações podem ser das mais diversas: indicação de leituras, videoaulas, uma pesquisa na biblioteca ou mesmo que o aluno busque ajuda profissional e especializada. É importante dizer que o professor de Projetos de Vida não é terapeuta e que o ideal é tratar estas questões de forma técnica. Quando há questões mais sérias – se uma aluna relata um caso de abuso, por exemplo –, é preciso compartilhar com a coordenação e a direção para que um encaminhamento adequado seja feito. Não podemos tentar substituir o trabalho dos psicólogos – e aliás, a presença deles na escola, que foi recentemente anunciada pela Secretaria de Educação, é uma reivindicação antiga nossa.
Durante a pandemia, tem sido mais complicado fazer o trabalho de tutoria. Há dificuldades de acesso e muitas vezes é preciso correr atrás dos alunos. No caso das aulas de Projetos de Vida, seguimos trabalhando remotamente da forma mais lúdica possível. Mas é um componente que funciona melhor ao vivo e com atividades em grupo.
Combinando aulas e tutoria, vemos que a evolução acontece, ainda que leve tempo.
Minha avaliação é a de que o trabalho com Projetos de Vida funciona. Combinando aulas e tutoria, vemos que a evolução acontece, ainda que leve tempo. Muitos alunos que eram indisciplinados ou tinham problemas de aprendizagem tornaram-se mais protagonistas, passaram a fazer perguntas e a participar bastante em sala de aula. Eles tomam ciência de que precisam melhorar e isso se reflete nas notas.
A mudança também é muito grande para o professor, que passa a ter uma visão mais completa do aluno. Há uma proximidade maior, e você sente que se torna uma referência. O trabalho com Projetos de Vida também convida o professor a ampliar seu escopo de atuação, a se expandir. Você sai do arroz com feijão, sai daquilo que você estava acostumado a fazer antes. A sua percepção da educação muda e você compreende que as questões socioemocionais são muito mais importantes do que a gente pensa. Vejo que muitos pais também passam a ter essa percepção. Me lembro, por exemplo, de um pai sul-africano que me falou sobre como recebeu uma educação britânica e, ao contrário do seu filho, nunca desenvolveu competências socioemocionais na escola. Ele me disse: “Tivemos uma boa formação, mas não aprendemos a trabalhar em equipe.”
A sua percepção da educação muda e você compreende que as questões socioemocionais são muito mais importantes do que a gente pensa.
Minha dica para os professores de Projetos de Vida é que busquem explorar questões que surgem dentro da escola. Por exemplo, numa época em que estavam ocorrendo roubos de celular, um outro professor de projeto de vida produziu um vídeo para abordar este tema com os alunos. Diante de casos de bullying, convidamos alunos do ensino médio para promover palestras e dramatizações com intuito de conscientizar os alunos mais jovens, do ensino fundamental. É possível trabalhar estes temas pedindo que os alunos criem cenas, façam dramatizações, produzam vídeos ou apresentações. As apostilas são uma referência importante, mas não podemos nos esquecer de pegar aquilo que é quente e que está surgindo na própria escola. É muito legal trabalhar os Projetos de Vida dos alunos dentro da realidade deles.