Como a professora Celma Oliveira trabalha Projetos de Vida

Nossa série de relatos de experiências sobre Projetos de Vida é produzida em parceria com o Porvir. Celma Oliveira é formada em Letras e dá aulas de Língua Inglesa e Projetos de Vida na CEPI Cecília Meirelles, em Aparecida de Goiânia (GO). Ela trabalha com Projetos de Vida há dois anos.

“Projetos de Vida desenvolvem cumplicidade entre os alunos”.

Depois de muitos anos na escola regular, em 2013 comecei a lecionar Língua Inglesa no Centro de Ensino em Período Integral Cecília Meireles, em Aparecida de Goiânia (GO). Além da minha disciplina, também assumi a coordenação do núcleo diversificado, o que me levou a participar de diferentes formações e a acompanhar pedagogicamente o trabalho de Projetos de Vida. Me encantei desde o primeiro contato e, em 2018, passei a ser a professora deste componente da minha escola.

Meu encantamento se deu principalmente por causa da troca com os adolescentes. Sempre amei a sala de aula e o contato com os alunos, mas a disciplina de Língua Inglesa não me permitia fazer a mesma troca proporcionada por Projetos de Vida. Sou a única professora deste componente, então ministro duas aulas por semana para oito turmas do primeiro e do segundo ano do ensino médio. Este formato permite que o professor tenha uma maior interação com o aluno e realmente acompanhe seu crescimento e amadurecimento.

Temos uma sala de Projetos de Vida que é utilizada por todas as turmas. São os alunos que vêm até mim, e costumo recebê-los com música. Esta sala é preparada com muito carinho e com a ajuda deles. Não há cadeiras, mas, sim, carpetes e almofadas. A parede tem um painel de fotos e as estantes têm objetos de estimação trazidos pelos próprios alunos. É um espaço com a cara deles. Os estudantes amam a sala de Projetos de Vida, porque se sentem acolhidos e protegidos.

Durante as aulas, utilizo vídeos, filmes, textos para reflexão, dinâmicas e atividades em grupo. No primeiro ano, o foco está no autoconhecimento, pois entendemos que, para criar um projeto de vida – ou seja, decidir, planejar e pensar seu futuro –, os estudantes primeiro precisam se conhecer bem. Então buscamos levá-los a refletir sobre suas emoções, valores, talentos e limitações.

No segundo ano, falamos sobre a ideia de futuro e a escolha da profissão. Muitas atividades são pensadas para que eles possam conhecer melhor suas opções e se elas se adequam a seu perfil. Dividimos a turma em grupos a partir de um critério de afinidade: se cinco alunos pensam em cursar medicina, por exemplo, formam um grupo para pesquisar sobre esta carreira. Buscamos sempre trabalhar dentro da realidade dos estudantes, e por isso focamos nos cursos que são oferecidos por universidades próximas. As pesquisas de cada grupos são depois apresentadas para todos, e o resultado é sempre muito interessante. Eles listam as opções de cada universidade, as especificidades de cada curso e as disciplinas estudadas, mas também abordam questões como salário e levam profissionais à escola para que possam tirar dúvidas e falar sobre seu cotidiano de trabalho.

No início deste processo, a maior parte dos alunos tem uma visão superficial, romântica até, de cada profissão. Ao final, muitos deles mudam de ideia sobre qual curso querem fazer, seja porque percebem que não têm perfil para a carreira que tinham escolhido ou porque se encantam por outro tipo de trabalho. Ao conhecerem melhor a si mesmos e aos cursos, podem querer outras coisas para seu futuro.

O papel do professor não é de interferência, e sim de observação, escuta e acompanhamento: ele pode sugerir leituras, conversar, indagar, indicar. Na minha escola há um trabalho de tutoria, no qual cada professor faz um acompanhamento regular e individual com cerca de 20 alunos. Os tutores podem ajudar muito o professor de Projetos de Vida. Gosto de estar sempre em contato com eles, para que juntos possam pensar a melhor estratégia para orientar cada estudante.

“É uma disciplina de olho no olho, que trabalha questões de alma e personalidade”.

Tem sido muito difícil trabalhar Projetos de Vida durante a pandemia. Compartilho materiais pela internet, mas não é a mesma coisa de quando ficávamos sentados no chão da sala de Projetos de Vida, olhando uns aos outros. É uma disciplina de olho no olho, que trabalha questões de alma e personalidade. Logo no primeiro dia de aula, fazemos um pacto de confiança e combinamos que nada do que for falado sairá daquele espaço. Esta confiança é muito importante, pois trabalhamos temáticas delicadas e muitos alunos trazem experiências traumáticas.

Acho muito bonito como as aulas de Projetos de Vida desenvolvem uma ajuda mútua, uma cumplicidade entre os alunos. Mesmo uma sala problemática, na qual havia desrespeito e bullying, pode mudar com Projetos de Vida, conforme os vínculos vão sendo criados. Ao ouvirem as experiências, histórias e fragilidades de cada um, os alunos começam a se ver de forma diferente. Eles passam a se respeitar e a querer se ajudar.

“Ao ouvirem as experiências, histórias e fragilidades de cada um, os alunos começam a se ver de forma diferente”.

O professor é igualmente transformado por esta troca. Sou outra professora depois de trabalhar com Projetos de Vida, minha forma de encarar a educação mudou totalmente. Por mais que já tivesse o perfil de ver o aluno como indivíduo, na escola regular eu dava minha aula e ia embora. Na escola integral, ficamos o dia todo juntos, trabalhamos muito de perto. O vínculo é muito mais forte.

Para ser professor de Projetos de Vida, é preciso ter um olhar humano e empático em relação ao aluno. Independentemente do tema que está sendo abordado, procuro sempre trabalhar dentro da realidade daqueles estudantes e trazer relatos de pessoas parecidas com eles. Eles se veem naqueles exemplos, e são tocados por eles.

Também sempre procuro levar histórias que terão efeito positivo, que sejam capazes de inspirá-los. Quando começamos o trabalho de Projetos de Vida, muitos alunos do primeiro ano não têm sonhos. A escola está em uma zona periférica, há muitas dificuldades e carências, e eles chegam ali sem sonhos. O que nós fazemos é mostrar que eles podem sonhar, sim, e sonhar grande.

O trabalho com Projetos de Vida é o coração da escola de tempo integral, e todos os profissionais têm o papel de ajudar aquele jovem a acreditar que é capaz e que pode sonhar, planejar e conseguir. Os professores, a coordenação, o pessoal da secretaria, do lanche – todo mundo é responsável por acolher o aluno e ajudá-lo a terminar o ensino médio como um jovem confiante, competente e protagonista de sua própria vida.