Transformar sonhos em projetos de vida não é uma promessa para o futuro. É um processo que começa agora, na sala de aula, a partir do autoconhecimento, das escolhas que fazemos, dos nossos aprendizados e das relações que construímos.
A trajetória da professora Jesonita da Silva é um testemunho de que projetos de vida são dinâmicos e nem sempre lineares. Incentivada pela mãe, Joana da Silva, ela sabia que os estudos eram fundamentais para chegar onde sonhava. Mas o casamento e a chegada dos filhos fizeram com que ela adiasse o sonho de concluir o Ensino Médio.
Aos 25 anos, a determinação falou mais alto. “Em 2004, retomei o Ensino Médio. Estudar era o caminho para mudar o rumo da minha vida e da minha família”, afirma. Na época, ela não imaginava que, anos depois, estaria lecionando na mesma escola onde se formou: o Centro de Ensino Antônio Sirley de Arruda Lima, em Formosa da Serra Negra, no interior do Maranhão.
Naquela época, uma professora foi crucial em sua trajetória: Luísa Neta, hoje gestora da escola. “O esforço e a dedicação eram nítidos, mas me chamou a atenção os atrasos constantes no primeiro horário. Ao conversarmos sobre isso, compreendi a vida corrida, com filhos pequenos. Incentivei Jesonita a não desistir, que ia dar certo”, lembra.
Luísa é gestora escolar atualmente e ressalta o orgulho de ver Jesonita sendo uma das melhores professoras, não só de Formosa, mas da região. “Hoje, somos colegas de trabalho na mesma escola. Ela se envolve com os projetos, tem muita habilidade com o novo, está sempre disposta a aprender e a levar o conhecimento adiante. É uma profissional de mão cheia”, relata.
O desafio da professora: Como conectar a escola à vida real?
Desde 2015 atuando como professora de Matemática, Aprofundamentos e Robótica, Jesonita carregava uma inquietação. Como tornar conceitos abstratos relevantes para jovens do interior do Maranhão? Como prepará-los para o mundo do trabalho de forma criativa e significativa?
“Eu procuro sempre trazer projetos que se aproximem com aquilo que vivemos na nossa região, do cotidiano dos alunos”, explica. Esse jeito de dar aulas, considerando o contexto local e a realidade dos estudantes, encontrou no programa Itinerários Amazônicos um apoio potente para o seu trabalho.
Implementado em 2023, o programa já alcançou mais de 43 mil educadores em 569 ações formativas realizadas em colaboração com sete redes de ensino da Amazônia Legal: Pará, Amazonas, Acre, Maranhão, Mato Grosso, Roraima e Tocantins.
O Itinerários Amazônicos aborda toda a complexidade ambiental, social, histórica, cultural e econômica do território Amazônico, destacando o papel da educação como estruturante para o desenvolvimento sustentável do Brasil e do mundo.
Para Jesonita, as formações e os materiais didáticos do programa foram um divisor de águas. “Trabalhei com os alunos o percurso ‘Educação Profissional Técnica’ e a unidade ‘Amazônia, juventudes e o mundo do trabalho’, que analisa o trabalho no Brasil e na Amazônia Legal”, conta.
Renata Lazzarini Monaco, articuladora do iungo junto à rede de ensino do Maranhão, explica que o material do programa representa um importante suporte para o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com os estudantes. “Nos momentos formativos, as situações de aprendizagens apresentadas nos materiais são exploradas, convidando os professores a criarem conexões entre o que está sendo proposto e a realidade dos estudantes, ou seja, com foco na territorialização. Com isso, o engajamento dos alunos se torna maior”, comenta.
Conhecimento transformado em prática
A unidade curricular ‘Amazônia, juventudes e o mundo do trabalho’, estimula que os estudantes aprendam a lidar com problemas ligados à inclusão produtiva das juventudes brasileiras e amazônidas. Nesse percurso, os estudantes são chamados a refletir sobre as formas de trabalho e geração de renda desejadas e quais caminhos podem ser planejados para essa conquista.
Além disso, as atividades propõem que os jovens possam materializar suas percepções sobre o mundo do trabalho por meio de criações autorais. E foi assim que um dos grupos de alunos coordenado pela Jesonita colocaram a mão na massa e criaram o “carro do futuro”.
O protótipo foi feito com palitos, CD´s, tampinhas de garrafas pet e um funil improvisado e se locomove com o uso da água. Para colocar o veículo em movimento, a água era despejada no funil, que caía nas tampinhas e gerava a força necessária para o carro se mover.
O projeto foi além da engenharia e conjugou a ciência com uma reflexão cidadã pautada pela sustentabilidade. Foi assim que Fernando Franco de Moraes e os colegas de grupo trabalharam na criação do carro do futuro: “O ponto de partida foi uma das leis de Newton, da Física, em que a densidade, o volume e a aceleração da gravidade geram a força do empuxo. Aliado a isso, consideramos que fosse um veículo movido a energia limpa”, explica o aluno.
Para o estudante, a aprendizagem construída durante as aulas da professora Jesonita, juntamente com os materiais do Itinerários Amazônicos, foram essenciais para pensar não só na engenharia do carro, mas na sua utilização sustentável.
“Os materiais do programa nos ajudaram a refletir principalmente sobre o tipo de combustível. Os carros movidos a combustão, como gasolina, etanol ou diesel, liberam gases poluentes na atmosfera. O carro movido a água gera menos impacto ao meio ambiente”, diz.
Michele Borges, formadora de referência do iungo no Maranhão, ressalta que os materiais foram pensados justamente para serem apropriados pelos professores, em um movimento que incentiva a sua autoria e criação docente. “A partir de seus repertórios intelectuais, culturais e pedagógicos, bem como do reconhecimento e valorização de seu território e de seus estudantes, os professores podem realizar um bonito processo de transposição didática dos materiais, tornando-os vivos. Essa flexibilidade não só é possível, mas também desejável, porque o programa Itinerários Amazônicos promove a aprendizagem significativa, as boas perguntas, a mobilização dos conhecimentos do território e no desenvolvimento de habilidades e competências que fazem parte dos direitos de aprendizagem dos estudantes, respeitando e valorizando os referenciais curriculares”, afirma.
Uma casa cujo projeto de vida é a educação
O impacto do trabalho de Jesonita vai muito além da sala de aula. A paixão pela educação contagiou também seus filhos. O Áquila está em outro país e cursa Educação Física; a Cassiane (à dir.) é professora de Geografia e tem trabalhado com o programa Itinerários Amazônicos na mesma escola da mãe; e a Daniela (à esq.) leciona Inglês.
Ela incentiva os filhos a não perderem de vista o aprimoramento profissional e enfatiza que a formação docente é essencial para isso. “Tenho um grupo com o Áquila, a Cassiane e a Daniela no WhatsApp. Por lá, tiramos dúvidas, falamos sobre o planejamento escolar, dicas de leituras, inscrições de cursos, formações continuadas, concursos. Não podemos nos acomodar”, conta.
Hoje, com 46 anos, a professora segue cultivando a dedicação e o engajamento pela profissão. “Eu persevero na profissão docente quando olho minha família transformada, quando vejo meus alunos e a escola. Digo que a escola é minha segunda casa. A educação transformou a minha vida. Eu não meço esforços para fazer o melhor para os meus alunos”, conclui.
Essa dedicação se reflete diretamente em sua sala de aula. Jesonita não apenas ensina Matemática; ela convida os estudantes a olharem para suas próprias histórias e a usarem o conhecimento para mudar a sua realidade – como fez com o projeto do “carro do futuro”, que uniu sustentabilidade, inovação e mundo do trabalho. Ela é a guia que transforma dúvidas em possibilidades, mostrando que errar, revisar e replanejar faz parte do processo. Ela ajuda a transformar sonhos em projetos com raízes no território e horizontes abertos para o mundo.
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O programa Itinerários Amazônicos promove a Amazônia e a educação climática e ambiental nas escolas brasileiras, por meio de recursos pedagógicos para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio — produzidos em colaboração com jovens, educadores e redes de ensino da Amazônia Legal. Oferece formação continuada às secretarias estaduais de educação parceiras e aos professores das redes de ensino. A iniciativa é uma realização conjunta do Instituto iungo, do Instituto Reúna e da rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria e com investimentos do BNDES, B3 Social, Fundo de Sustentabilidade Hydro, Itaú Social, Instituto Arapyaú, Movimento Bem Maior, Porticus e patrocínio da Vale. A Secretaria de Estado de Educação do Pará é parceira do iungo na realização do componente curricular “Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima”.
