“Professor, depois da nossa visita a um geoglifo, eu achei um bem próximo da minha casa”, disse uma das alunas do Ensino Médio, na aula do professor Lucas Lima, em uma escola da rede estadual no interior do Acre. Você sabe o que são geoglifos?
Para falar sobre isso, vamos fazer uma viagem a Acrelândia, município no extremo leste do estado do Acre. Com pouco mais de 14 mil habitantes, Acrelândia fica a 121 km de distância da capital, Rio Branco; e faz divisa com os estados do Amazonas e Rondônia, além da Bolívia. A economia local tem predominância da agricultura, com o cultivo de café, milho, a criação de gado de corte e leiteiro, entre outras atividades.
Foi nessa cidade que o professor Lucas cresceu, com os pais e os três irmãos. “A educação é algo em que sempre acreditei. Sou o filho mais velho e essa dedicação acabou influenciando minhas duas irmãs e o caçula, de 12 anos.” Inspirado por uma professora que teve na Educação Básica, Lucas decidiu cursar Educação Física na Universidade Federal do Acre (UFAC). “Tive muito apoio em casa, meus pais têm orgulho de dizer para todo mundo que tem um filho professor”, conta.

A conclusão do curso foi em 2019, mas o exercício da profissão precisou ser adiado, em função da pandemia de Covid-19 e da necessidade de isolamento social. “Com a situação mais estabilizada, colamos grau em 2022 e pude buscar uma oportunidade para lecionar. Em 2023, surgiu uma vaga na Escola Família Agrícola (EFA) Jean Pierre Mingan, onde comecei a dar aulas de Projetos de Vida, Inglês e Espanhol e atuar no curso técnico”, explica.
O modelo escolar “família agrícola” tem origem em um povoado na França. Adota-se a Pedagogia da Alternância, em que os estudantes seguem uma formação voltada para a agricultura, a fim de colocar em prática no seu território. São quinze dias em regime de internato, com uma rotina intensa de aulas teóricas e práticas, das 05h às 21h. A quinzena seguinte acontece em casa, com atividades para dar continuidade ao aprendizado. “Avaliamos não só o aprendizado teórico, mas também a conduta enquanto cidadão”, explica o professor.
Itinerários Amazônicos e a valorização do território
Aos 27 anos de idade, sendo menos de quatro deles dedicados à docência, Lucas já experimentou experiências relevantes. Segundo ele, o programa Itinerários Amazônicos é uma delas. “O primeiro contato com os conteúdos do programa foi desafiador. Na medida em que seguimos estudando o material e participando dos encontros formativos, percebemos o valor que a iniciativa tem para o nosso trabalho, por ser uma escola agrícola”, comenta.
A articuladora do iungo para a rede de ensino acreana, Renata Lazzarini Monaco, detalha a origem da proposta pedagógica que incentivou o projeto sobre os geoglifos. “A ideia foi apresentada para marcar o Dia da Amazônia (05/09) de 2024. Além da formação, preparamos um material de apoio com orientações, textos, sites e podcasts para subsidiar o planejamento dos professores. Fizemos também um encontro com os coordenadores pedagógicos das escolas de Ensino Médio da rede de ensino e com os assessores pedagógicos dos municípios, para que pudessem conhecer a iniciativa e, a partir disso, apoiar os professores em seus planejamentos e execução das atividades com os geoglifos. Depois desse trabalho, tivemos um encontro de culminância, em que os professores compartilharam suas práticas. Foi muito rico do ponto de vista da troca entre pares e do reconhecimento de boas práticas pedagógicas”, diz.

Os professores da rede estadual foram instigados, portanto, a olhar para as potencialidades do território e as riquezas ali presentes. Além de explorar os conhecimentos relativos aos geoglifos, os docentes tiveram a chance de refletir com os alunos sobre a importância dessas descobertas para o desenvolvimento científico, econômico e social da região. Também foi uma oportunidade de compartilhar esse conhecimento com a comunidade escolar.
O que são geoglifos?
Os geoglifos são desenhos ou marcas geométricas, de diferentes formatos, geralmente de grande extensão e encontrados em áreas florestais. Eles são indícios da presença de civilizações organizadas nesses territórios, muito antes, inclusive, da chegada de colonizadores.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), os primeiros registros de descoberta de sítios arqueológicos no Acre são da década de 1970. Na década de 2000, os geoglifos ganharam notoriedade e mais pesquisas foram desenvolvidas, com ajuda da tecnologia LIDAR*. Esse recurso tecnológico permite o mapeamento dos geoglifos sem provocar desmatamento, uma vez que as marcas terrestres estão, quase sempre, encobertas pela vegetação. O LIDAR usa feixes de laser para identificar e criar a representação do espaço em questão. O mecanismo tem auxiliado pesquisadores na investigação de geoglifos, das transformações ocorridas nas paisagens, e nos processos de urbanização. Essas descobertas serviram como ponto de partida para o projeto realizado pelo professor Lucas e os estudantes do Ensino Médio.
Mão na massa com os estudantes

Lucas trabalhou de forma colaborativa com a professora de Geografia, Andréa Lemos. No sítio onde ela mora, existe um geoglifo. “Levamos os alunos da 1ª e da 3ª série do Ensino Médio para ver a estrutura de perto. Esse que visitamos, por exemplo, tem mais de 400 metros. Eles gostaram muito, se aprofundaram nas teorias sobre o assunto e descobriram geoglifos próximos da casa deles também. Estudaram o tamanho, a quantidade de geoglifos no estado, realizaram rodas de discussão e produziram relatos de experiências, além de um podcast de curiosidades sobre o assunto”, detalha o professor.

Kauani Soares, aluna da 3ª série do Ensino Médio à época, participou da visita. Ao comentar em casa sobre a atividade que iriam fazer, descobriu um geoglifo bem próximo a sua casa. “Não sabia nada sobre o assunto. Comentei com meu pai e ele me disse da existência de um geoglifo na propriedade do meu padrinho. Eu pensava que era uma coisa bem distante, mas havia um bem próximo a mim”, conta a estudante. Para a jovem, ver um geoglifo de perto foi uma experiência interessante. “Vendo pessoalmente, notamos o quanto é extenso. Fica ainda mais nítido quando olhamos as fotos tiradas por drones. É muito grande.”
As atividades também contribuíram na ampliação do conhecimento sobre os geoglifos a partir da História,

Geografia, Biologia, Matemática, Arte, Cultura e Economia. O professor Lucas relata que os geoglifos representam um grande potencial turístico para o estado e, mais do que isso, ajudam a compreender a importância da conservação da floresta em pé para o meio ambiente e para a economia do Acre. “O projeto foi muito positivo, uma experiência incrível de reflexão. A proposta também deixou mais claro como um bom planejamento pode mobilizar os alunos e estimular o pensamento crítico. Somos a Amazônia, dependemos dela para a nossa sobrevivência, portanto, temos responsabilidade em cuidar desse ecossistema em toda sua complexidade”, sintetiza o professor.
Para Renata Monaco, “atividades como essa inspiram os professores a construírem práticas pedagógicas territorializadas e baseadas em metodologias ativas. Se, por um lado, os professores experimentam novos caminhos para o trabalho de ensino e aprendizagem, por outro lado, os estudantes se engajam mais em atividades desse tipo e aprendem de uma forma mais dinâmica e significativa.”
Formação e colaboração na rede de ensino do Acre

Em todas as etapas, o professor pôde contar com o apoio do programa Itinerários Amazônicos. “Os materiais são detalhados e, ao mesmo tempo, têm flexibilidade. Podemos adaptar a nossa realidade, o que torna as atividades mais atraentes para os alunos”, afirma Lucas.
Alcielle dos Santos, diretora de Educação do Instituto iungo, ressalta a importância do material pedagógico, que apoia os professores com inspirações para a formulação de aulas potentes e significativas. “A excelência, um dos atributos primordiais para o iungo, também se faz presente na construção dos materiais pedagógicos para os educadores. Isso gera ainda mais valor às ações formativas, realizadas em parceria com as redes de ensino”, argumenta.
O projeto de Lucas Lima e seus estudantes da EFA Jean Pierre Mingan foi uma das iniciativas apresentadas em encontro formativo proposto pela equipe do iungo em 2024, para marcar o Dia da Amazônia (05/09). Mais de 100 professores de escolas acreanas foram mobilizados para participar das atividades. Além de um encontro virtual para apresentação dos resultados entre os professores de outras redes de ensino da Amazônia Legal, também parceiras do programa, a proposta gerou uma semana de atividades de culminância na escola.

Segundo a coordenadora de ensino da Escola Família Agrícola, Rosana Piucco, o programa Itinerários Amazônicos se alinha à filosofia da instituição. “O programa veio para fortalecer ainda mais as ações realizadas na escola, onde promovemos o protagonismo juvenil. Junto com o iungo, realizamos práticas exitosas com nossos estudantes e professores.”
Ser professor foi e tem sido uma construção diária para Lucas. Para ele, uma trajetória que será lapidada continuamente. “Quero estudar cada vez mais, fazer formações, me atualizar, não desejo ficar no lugar comum. Eu gosto de ser professor. Por mais que a educação seja desafiadora, eu acredito que o meu trabalho faz a diferença na vida das pessoas”, conclui.
A formação continuada, pensada no território e com situações de aprendizagem conectadas à realidade local, foi essencial nessa história. Aqui no iungo, seguimos com este propósito, em colaboração com as redes públicas de ensino, para uma educação de qualidade em todo o Brasil.
Saiba mais
O programa Itinerários Amazônicos é uma realização conjunta do Instituto iungo, do Instituto Reúna e da rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria e com investimentos do BNDES, Fundo de Sustentabilidade Hydro, Itaú Social, Instituto Arapyaú, Movimento Bem Maior, Porticus e patrocínio da Vale. A Secretaria de Estado de Educação do Pará é parceira do iungo na realização do componente curricular “Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima”.
*LiDAR, sigla para “light detection and ranging” (detecção e alcance por luz), é uma tecnologia de sensoriamento remoto que usa feixes de laser para medir distâncias e movimentos com precisão, em tempo real. Os dados de LiDAR permitem criar desde mapas topográficos detalhados até modelos 3D precisos e dinâmicos. Fonte: https://www.ibm.com/br-pt/think/topics/lidar