por Alcielle dos Santos*
Quando minha sobrinha mais velha tinha 9 anos, fui convidada para fazer uma palestra para uma editora de livros didáticos que seriam usados por crianças de sua idade. Como tia pesquisadora que sou, perguntei à minha sobrinha o que mais gostava na escola e o que menos gostava. Como resposta, rapidamente listou as três disciplinas que não gostava, mas precisou de ao menos dois minutos para percorrer seus gostos e memórias e responder apenas uma coisa de que gostava: as aulas de Educação Física. Não me surpreendeu, afinal, desde pequena, esportes fizeram parte de sua vida, assim como jogos que envolvessem movimento e diversão. O que me entristecia em sua resposta era que, justamente aquilo que ela mais gostava, tivesse apenas um tempo de cinquenta minutos por semana em sua escola. E mais, que a maioria do tempo dela na escola se passasse sentada, sem movimento, assistindo a aulas que não a estimulavam.
Minha sobrinha e muitas das crianças de nosso país teriam dias mais felizes em suas escolas se tivessem mais tempo em atividades prazeirosas e isso, necessariamente, precisa acontecer para todas as áreas de conhecimento, para a Matemática e a Língua Portuguesa, mas também nas aulas de Ciências Humanas e da Natureza. E, por sua vez, isso passa por repensarmos os espaços onde as aulas acontecem.
Quando volto para as minhas lembranças da escola, detalhista que sou, consigo me lembrar das salas de aula e que tipo de carteira de estudante tinham, assim como a posição que eu escolhia na fileira. Por onze anos, eu me sentei em fileiras, a exceção foram os três anos da Educação Infantil, que bom! Levada pela memória da pré-escola, me lembro de um vagão de bonde, real, não de brinquedo, que existia aposentado de uso, no pátio daquela minha escola. Todas as crianças adoravam brincar naquele bonde, era um espaço de imaginação de diferentes situações: éramos maquinistas, cobradores, viajantes de diferentes cidades, mas nunca tivemos uma aula no nosso bonde. Poderíamos ter uma aula de Matemática, simulando venda, preço e troco, com as comidinhas imaginárias que fazíamos. Ou mesmo, uma aula que discutisse a história daquele bonde e como era nossa cidade quando ele era o único meio de transporte. Porém, o tempo que tínhamos para estar lá, era apenas o do recreio. Era o nosso tempo de sermos crianças, 20 minutos em cada manhã de 4 horas.
Penso que já passou da hora de lembrarmos que crianças e adolescentes não podem existir por apenas o tempo do recreio e se tornarem outro ser, o aluno ou estudante, em ambientes que em nada o estimula, por todo o restante do tempo. A mudança está em nós, nas nossas memórias e sentimentos. Depois disso, é pensar, organizar e mudar, unir tempos e espaços em favor da aprendizagem.
*Este artigo foi originalmente publicado no portal da Rádio Itatiaia, na coluna fixa de Alcielle dos Santos. Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores.