
“Como você não quer um lugar em que nunca esteve?”

Essa provocação, feita pelo docente e artista veterano Alfredo Nobel, deixou o artista belo-horizontino Marcel Diogo pensativo. Em uma conversa informal, Marcel contou sobre a possibilidade de assumir a vaga de professor de Artes na Escola Municipal Santa Terezinha, localizada na região da Pampulha, na capital mineira. O questionamento feito por Alfredo fez com que Marcel desafiasse seus medos. “Quando falei das minhas dúvidas sobre tomar posse em uma escola do município, o Alfredo me ajudou a refletir e ver como era na prática. Foi o que eu fiz. Já são 11 anos em sala de aula”, lembra.
E desde então, Marcel, que também é artista e curador independente, utiliza as diferentes manifestações artísticas para construir, com os estudantes, um conhecimento que parte da inquietação. Para ele, a arte é capaz de fomentar questionamentos e descobertas sobre a sociedade e a cultura. “Para isso, procuro sair do formato de aulas focadas apenas no desenho e pintura. Vamos além disso. Levo textos para leitura e discussão, diversos símbolos e o que eles representam na nossa vivência. Já falamos sobre feminicídio, machismo, saúde coletiva, utilizando a trajetória de artistas como a mexicana Frida Kahlo. Ou seja, é a arte como meio para dialogar sobre dimensões da vida importantes para nossas relações”, comenta.

Atuando nas turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental, Marcel recorre a pinturas, livros, fotografias, esculturas e outras expressões para estimular a criatividade e a experimentação. O educador busca guiar os estudantes para que sejam capazes de formular seus caminhos e perceber que existem múltiplas possibilidades de ver o mundo. “É uma das coisas que mais me interessa enquanto professor. Mostrar que existe mais de uma possibilidade. Levo referências para que eles possam criar suas próprias histórias”, diz.
Formação continuada para a profissão docente
Formado em Pintura, Marcel investiu na Licenciatura com a intenção de multiplicar o acesso ao saber artístico. Uma das formações realizadas para o aperfeiçoamento docente foi o Residência iungo, uma comunidade de aprendizagem para a colaboração e a troca de experiências e conhecimentos entre os professores e gestores das redes públicas e privadas de ensino de todo o país.

Mas a criação e a inventividade de Marcel foram sendo aprimoradas já na infância, nas brincadeiras, na imaginação de mundos. Ele reconhece também que os pais contribuíram, cada um à sua maneira, na trajetória artística. “São inspirações que vieram tanto das invenções criativas de minha mãe na cozinha, quanto das inovações em objetos para a casa do meu pai, que chamo carinhosamente de rei da gambiarra”, conta.
A habilidade com os lápis e pincéis também despertou o olhar de uma professora de catequese. Ela incentivou o futuro artista a frequentar as aulas de pintura do bairro. “Minha mãe explicou que não era viável financeiramente, mas a catequista fez uma nova proposta: ensinaria piano para a filha da professora de pintura e, em troca, eu faria as aulas de pintura. E assim, aprendi a utilizar as tintas a óleo, refinei técnicas e me tornei assistente da professora”, conta.


Inspiração para a juventude
Essa oportunidade na juventude ajudou Marcel a lapidar o seu talento. Como professor, ele segue fazendo o mesmo pelos estudantes. É visto como uma inspiração. Victor Hugo Souza, ex-aluno da Escola Municipal Santa Terezinha, afirma que as aulas de Artes do professor Marcel mostravam um mundo de oportunidades.
Ele destaca também a importância de ver um homem negro ocupando espaços como a escola. “Quando eu vi o Marcel lecionando pra gente, percebi que fiquei mais otimista com o futuro. A arte é algo que me interessa desde a adolescência. E ver um homem preto, que trabalha e ensina a Arte, foi uma experiência muito positiva. Hoje, aos 25 anos, tenho cada vez mais clareza da influência do Marcel na minha formação intelectual e pessoal”, detalha.

No período em que foi aluno de Marcel, Victor recebeu apoio do professor nos trabalhos artísticos em que se envolvia, como saraus, slam (batalha de rimas autorais e performáticas) e cartazes lambe-lambe.
O lado criativo seguiu na vida adulta, em outras frentes. Formado em Arquitetura, Victor hoje é sócio em uma empresa de criação de marcas. “Eu sinto que todas essas conexões que eu pude trocar com o Marcel, na escola, mas também posteriormente, levaram minha atuação a esse lugar de criatividade, necessário nas minhas duas áreas de atuação”, afirma.
O professor e os estudantes fazem perguntas à sociedade
A arte, na visão de Marcel, também fortalece a formação intelectual e social dos alunos, ao provocar a reflexão diante de questões raciais e de desigualdades, por exemplo. Um dos projetos que ilustra essa visão foi elaborado junto com a professora de Educação Física. “Criamos um pequeno estúdio de fotografia na sala, para retratar alunas como atletas e a partir disso, pensar sobre a desigualdade no esporte”, explica.
Em outra oportunidade, Marcel levou revistas e folhetos de lojas varejistas para análise sobre a representatividade da população brasileira. Os estudantes foram incentivados a analisar o perfil das pessoas que ilustravam aqueles materiais. “Em grupos, os alunos observaram que a maioria ali eram brancas e bem poucos eram negros, indígenas, asiáticos.”, diz. As descobertas vindas da atividade geraram discussões sobre exclusão, pertencimento e racismo. Para Marcel, “isso nos lembra que a escola não é um lugar isolado. Existe a construção de conhecimento e também a formação integral dos indivíduos”, reflete.

As pinturas do próprio Marcel também motivam atividades junto dos estudantes. O professor mostra, a partir das obras, como é o processo de produção, desde a concepção até a finalização. O artista concilia uma rotina de trabalho entre as salas de aula e a exposição de obras autorais em galerias nacionais e internacionais. “Um aluno me perguntou, certa vez, porque eu estou na escola, se eu sou ‘famoso’ e até apareço no ‘Google’. Respondi que escolhi estar ali, e como é essencial essa troca de conhecimento, o diálogo com a turma para eu ser o artista que eu sou”, complementa.
O professor Marcel Diogo mostra que aprender é também observar, questionar e refletir, até chegar às descobertas. A curiosidade é um motor da aprendizagem — e os professores são guias para explorá-la na direção de um caminho cidadão, ético e sustentável.
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